Sunday, May 28, 2006

«LISBOETAS»

Fomos ver o filme «Lisboetas».
É preciso vê-lo e revê-lo.
Para lembrar a dor.
Tentar sentir o que sentem os que de outros países vêm viver em Portugal.
Só tentar. É que é mau demais.
Lembrei-me muitas vezes de Fernão Lopes.
Lisboa, «cidade de muitas e desvairadas gentes».
E do filme não vou esquecer, não quero esquecer sobretudo as imagens dos imigrantes agarrados aos telemóveis. Para tornar a distância menos amarga. E a solidão menos solidão.
Telemóveis...

Friday, May 26, 2006

QUINTA FEIRA DE ESPIGA

Lá estava ontem a Maria de Lourdes.
Com imensos ramos de espiga.
Já não mora em Campo de Ourique há muito tempo, mas neste dia carrega o carro dos molhos que preparou de véspera e carrega os afectos, as memórias, as saudades.
Lá vem ela.
E então, acontecem todos os reencontros.
Uns cabelos brancos parecem querer dizer «que há muito tempo»…
Mas não dizem, que a gente não deixa.
Este dia, àquela esquina, é só a festa. E sorrisos. E palavras. Abraços enormes.
Caímos nos braços uma da outra e o ramo para a nossa família é oferecido. Os outros compro, para também ter eu a alegria de os dar. Entro por aí, por alguns cafés, por algumas casas, ramo escondido e subitamente estendido. A dizer «É para si. Quinta-feira de espiga.»
Nesse momento fantástico sei que a minha cara, me revela. Inteira.
Respiro, feliz.
Existo.

Como não sei pôr fotografias, é para todos vós também um ramo destes. Uma papoila. Folhas de oliveira e de trigo. E umas florzinhas amarelas, pequeninas.
Para guardar até para o ano., OK?

Thursday, May 25, 2006

TODAS AS NOITES, FRANCISCO

Pronto, mais uma vez me emocionei. Inesperadamente.
Sem negar os afectos, que são muitos e fundos, julguei que um certo racionalismo tem andado por aí, a pautar de certo modo a minha vida.
E… lá me vi mais uma vez surpreendida.
Fui, fomos a Évora, a família toda. À primeira comunhão do meu neto Francisco.
O Francisco compenetrado.
E no fim, tão agradecido.
«Avó, obrigado. E agradeça a todos que me mandaram parabéns.
Não se esqueça, avó.
E olhe para a libelinha. Não se esqueça.»

A libelinha de plástico pôs-ma o Francisco na mesa-de-cabeceira, um dia antes de voltar para Évora. Há muito tempo. Para eu me lembrar dele.
Todas as noites a vejo, Francisco.
Todas as noites.

Thursday, May 18, 2006

BOA TARDE, SENHOR COSTA

Não perca esse bom hábito, senhor Costa, de estar aí à porta da sua casa.
Todas as tardes.
Peço-lhe, por favor, que não perca esse hábito.
Quando a sua mulher morreu, deixou de ter aquela companhia, que já era difícil, mas que era companhia.
Passou então a estar mais tempo à porta.
Vai falando assim com todos nós.
E cada um de nós, pode também falar consigo.
O senhor faz-nos falta, senhor Costa.

Até já dei comigo a ver a roupa que usa. Um dia o pull over estava menos limpo e eu a pensar que não podia ser, que tínhamos que lhe dar «uma forcinha» para que se cuidasse
No dia seguinte, o senhor já estava bem, com aquele fato azul, gravata e tudo.
Boa, senhor Costa! Boa, mesmo!
«Olá, senhor Costa. Como vai?»
«Vamos andando. Que remédio.»
«Enquanto vamos andando, é mesmo bom»
«É verdade, é verdade»

Esteja por aí todas as tardes, senhor Costa.
Faz-nos falta.
Falamos.
Existimos.
Neste bairro, ainda somos gente.

Sunday, May 07, 2006

OS NOMES DOS DIAS

Afinal, gosto « dos dias ».
Às vezes, raras vezes, disse que não valia a pena.
Mentira.
Gosto mesmo.
Hoje, dia da mãe.
Sempre isto.
Uma balbúrdia.
A loiça toda cá fora . A loiça a respirar enfim nas nossas mãos. A contar todas as histórias. A contar a vida.
A dizer a presença dos que já não estão connosco. A dizer deste jeito a eternidade.
A loiça toda a acolher os mais pequenos, tão novatos nestas coisas. E tão giros!
Gosto tanto dos dias.
A casa torna-se um espaço enorme.
A casa é uma mesa grande, que desde sempre teve um prato a mais. «Sabe-se lá quem vem... às vezes, pode ser.»
A casa é o quintal.
A casa de repente é só o maple do avô.
A casa...

Tuesday, May 02, 2006

PARA DIZER O MEDO

Não gostei, mas fui. Operação às varizes.
O corredor.
E a maca.
Muitas horas.
E medo.
Racionalmente sem razão.
Sessenta e cinco anos aproximam-me cada vez mais do medo.
Cada vez mais da morte.
E eu ali no corredor.

Durante aquelas horas todas, pensei muito no Manuel cá em baixo.
Fui pedindo que lhe dessem recados.
Estendia assim a mão.
Procurei mostrar-me forte.
Rezei. Quis rezar o terço, mas confundi-me entre um Pai-Nosso e as Ave- Marias todas seguidas, que não conseguia contar.
Agarrei-me todo o tempo a uns lenços de papel.
Serenidade…

Agora, de volta, este medo ainda me possui. Tenho pesadelos.
Tento alguns passos na rua, mas ainda lhe não pertenço.
Entro num café do meu bairro, eu e um livro. Geralmente Lobo Antunes, tão perto do que sinto.

Talvez amanhã, a rua esteja mais firme.
E os rostos tenham nomes.
Outra vez.

Monday, May 01, 2006

INDIGNADA

Ainda à espera das palavras sobre a tal operação às varizes, que ainda não são para hoje, quero dizer a indignação que me está a causar a estratégia do ex-ministro Bagão Félix no programa Prós e Contras.