Monday, October 26, 2009

SALVOS PELA MEMÓRIA

Agora
é já pedir-te demais.
Nos teus olhos eu nunca tinha visto tanta dor.
Vi
mas também a disseste.

Talvez a memória nos possa salvar.
É um «talvez» tão esforçado e duvidoso.

Melhor seria aceitar
ou poder aceitar
que não é só de Caim que nós falamos

E uma notícia te dissesse, com verdade, que «somos mesmo muitos»,
que somos «uma multidão»
e que talvez «da dor o fogo nasça».

Sonho um outro brilho nesse olhar
Gostava de dizer-te a madrugada de tudo quanto nasce.
De qualquer jeito,
gostava,
de salvar-te.

Melhor do que gostava,
quero.
Deixa só a harmonia de tudo quanto é simples.
Deixa só
algumas palavras
Só algumas.

Sunday, October 25, 2009

UMA HORA A MAIS

Hoje, à conta da mudança de hora, tivemos uma hora a mais.

Frigorífico descongelado e lavadinho
e tantas, tantas palavras por escrever.
Nem um pezinho na rua.

Lá encontrei Sebastião da Gama
certinho
hoje

Aqui vai com um nó na garganta,
um novelo talvez,
por tudo «o que fica por...»

Lá vai então:

«Poema da minha esperança

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

Serra-Mãe (1945)»

Mais três quartosd de hora...

Uma hora a mais...

Tuesday, October 20, 2009

SARAMAGO NÃO MERECE SARAMAGO

Toda a gente sabe,
diz,
deixa-se incomodar comigo «A teresa é tão atenta e tão crítica»
Sempre e em todo o lado assim.
Muito mais se amo aquilo que critico.

Pois sempre fui muito critica com a Igreja e só quando morrer é que hei-de parar esta tentativa de a tornar o rosto de Jesus Cristo.

Mais ou menos fico indiferente ou não me toca o que se diz «de fora»
Respondo «Falar de fora é fácil» e... natuuralmente não é, que a gente não sabe bem o que é «de fora».

Mas as afirmações de Saramago ultrapassam tudo.
Altivez
Ignorância que parece total
Orgulho
Arrogância

Que nos quer dizer «este senhor»?
Vender um livro que obviamente vende porque o tem como autor?

Ou será que é o grito de «quem não está de fora?»

Só não dá ser tão deseducado.

Parece que estou zangada.
E tenho muita pena.
Mesmo muita.
Saramago não merece Saramago.

SERENAMENTE OUTONO

Li este belo texto que deixo em jeito de partilha
serenamente
neste país e nesta «estranha forma de vida»
confusa
atribulada
que é a nossa.
Faz-nos falta escrever ou ler assim:

« O sol despede-se lentamente nos dias cada vez mais breves de finais de Setembro. Esmaecem os doirados cabelos de Apolo. E as vinhas, os milheirais, os grandes plátanos dos jardins das cidades amolecem em tons amarelados e sanguíneos.

É o tempo das colheitas. Das vindimas e da apanha da fruta. Arrancam-se as batatas dos lameiros. Debulham-se os cereais. Descasca-se a amêndoa e secam-se os figos. A terra entrega generosamente ao homem o resultado do seu trabalho. Chegam as primeiras chuvas e despedem-se as aves migratórias. Límpidos horizontes. O mar, desocupado, exprime agora toda a brancura das suas ondas. Um cão vadio que corre atrás das gaivotas. Um par de namorados sentados na areia da praia. Avança o outono por Outubro. Desprendem-se as primeiras folhas. Pelos campos queimam-se as ramas secas. E o fumo levanta-se numa liturgia final de um ciclo que se encerra. Terminaram as últimas romarias do ano. Depois de Nossa Senhora dos remédios de Lamego, é a Feira das Colheitas em Arouca e S. Mateus em Viseu. Vem aí Novembro com as castanhas e o vinho novo. As árvores cada vez mais despidas. Os insectos entontecidos. E os primeiros frios de uma noite que se torna mais longa e ávida.

Revolvemos os armários em busca de roupa quente. O sono aumenta. Depois das beladonas, florescem os crisântemos e acorremos ao cemitério para recordar os nossos mortos. Chove muito. E lembro-me muito de ti ao cair da tarde. Não consigo evita este roxo, esta ansiedade, este advento que me conduz a Dezembro e ao nascimento de uma luz que auguramos desde o princípio do mundo.

Deslizamos por outono docemente e na verdade esta convulsão meteorológica e natural parece afinar-nos a sensibilidade. Os amanheceres breves e límpidos, com fiapos de nuvens avermelhadas atravessados pelo primeiro sol, são inesquecíveis, como aquela árvore cor de fogo, hirta e soberana que parecia reunir toda a luz do entardecer e que eu te pedi que fotografasses, naquela viagem para o longínquo norte.»

Manuel Hermínio Monteiro (1952-2001)

Tuesday, October 13, 2009

NÃO SE PERCEBE NADA

A Joana comentou a postagem anterior e perguntou-me «o que é que aquilo dizer».

O Manel disse-me que realmente não se percebia nada.

Naturalmente, foi só um desabafo, depois dos resultados das legislativas.

Só um desabafo...

Talvez um alívio...

A ver...