Sunday, December 28, 2008

COMO NESSA VÉSPERA DE 29 DE DEZ DE 1962....

A mesma alegria
O mesmo sol
O sorriso que nos vem de dentro e tudo invade
Esse não temer
Essa serenidade que permite o abadono
A comunhão do corpo para lá do corpo
Esse tocar a eternidade

Por cada um dos dias da vida partilhada
Com tudo
Tudo mesmo o que a vida tem dado
Esse sempre «de mãos dadas»

Hoje
como nessa véspera de 29 de Dezembro de 1962
Hás-de dar-me uma rosa numa porta a transpor

Louvado seja o dia.

Friday, December 26, 2008

ESTRELAS...

Hoje, entre idas e vindas, encontros, palavras e ausências, vim até aqui, quase culpabilizada «pelo tempo que nunca me chega». Mas é mais forte do que eu. Carrego primeiro na «Caixa de Costura» do André ( o André é meu filho ) e depois não resisto. Carrego na «leitaria».
Acontece que encontrei uma estrela. A Inês.
Bem haja, Inês.
Tomaremos o chá, qualquer coisa. Proponha. Havemos de conseguir.
Qualquer coisa há-de dar. Para tecer os laços, termos rosto e termos voz.

E esta boa surpresa que tive, faz-me contar como os gestos mais banais podem ser «estrelas».
No Natal ou na vida.
É uma senhora que só conheço do cabeleireiro.
Viúva muito cedo.
Depois uma ligação de que fala abertamente. «Com o engenheiro».
Há uns anos, «o engenheiro» morreu.

No sábado disse-me que no dia seguinte fazia anos. Pedi-lhe o telefone e «se não se importava que lhe telefonasse. Mas não queria incomodar»
Já eram dez da noite. Telefonei. Palavras rápidas. Quase circunstanciais.

Quando a voltei a encontrar, disse-me que costumava desligar o telefone para descansar, mas que tinha tido um pressentimento. E eu toquei.
Que quando desligámos,lhe tinham saltado umas lágrimas.
«É que bem vê, estou muito só. Passei a tarde no Estoril. Depois, p'ra casa...»

E a mim, que não me esforço mesmo nada em fazer um telefonema, doem-me as omissões.Tantas as omissões.
E uma estrela é tão fácil.
No Natal.
Em cada dia.
Pode dar ânimo.
Vida que nasce.
Como o Menino de Belém.
Como cada vida.
Como as palavras da Inês.

Sunday, December 21, 2008

O NASCIMENTO

Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Rompendo a sombra etérea do crepúsculo!
A paisagem tornou-se mais estranha,
Mais cheia de silêncio e de mistério!
Dormem ainda as árvores e os homens,
E dorme, em alto ramo, a cotovia…
E, se ergue já seu canto, é porque sonha
julga ver, sonhando, a luz do dia!

E, pelos negros píncaros, a estrela
É divino sorriso alumiante.
Oh, que esplendor! Que formosura aquela!
É lírio de oiro aberto! É rosa a arder!

Aí vem a estrela! Aí vem, sobre a montanha,
Tão virginal, tão nova, que parece
Sair das mãos de Deus, a vez primeira!

E como, sobre os montes, resplandece!

Persegue-a o sol amado… No oriente,
Alastra um nimbo anímico de luz.
E a antiga dor das trevas, suavemente,
Ondula, em transparência e palidez.

Aí vem a estrela, alumiando a serra!
E os olhos encantados dos pastores
Voltam-se para a estrela… E cá na terra
Há mágoas e penumbras, a fugir…

Como ela voa, cintilando e rindo
Aos penhascos agrestes e desnudos!

E os pastores, atentos, vão seguindo
A direcção etérea do seu voo…

E a quimérica estrela deslumbrante
Parou sobre a capela, onde a Saudade
Agasalhava o Deus recém-nascido,
Com seu manto de amor e claridade.
E, amparando-o nos braços, lhe estendia
Os seios maternais. A criancinha
Mamava. E a Saudade lhe sorria,
Num enlevo, num êxtase sagrado.

A primavera, errante no Marão,
Veio cobrir de lírios e de rosas
O berço do Menino. E veio o outono,
E vieram ermas sombras dolorosas.
Logo, o outono rezou a sua prece

De cinzas e de bruma. E o lindo sol,
Entrando pelos vidros, aparece,
Junto ao pequeno berço. E toda a luz
Do céu veio com ele! E veio a noite.
Vieram as avezinhas, que deixaram,
No recôndito ninho, abandonados,
Os filhos ainda implumes. E cantaram
Em louvor do Menino e da Saudade.

E Marânus sentia, mais alegre,
Tornar-se vida, amor, fecundidade,
A sua antiga e mística tristeza.

E, ao ver a própria alma da sua raça
Criar a Virgem Mãe dum novo Deus,
Eis que à flor dos seus lábios esvoaça
O sorriso supremo da vitória.

E a Saudade, num casto e luminoso
Gesto de amor, tomando, novamente,
O Menino nos braços, o embalava.
E sobre ele inclinava docemente
A fronte aureolada. E uma canção,
Que era feita de todas as cantigas,
Mais num murmúrio brando de oração

Que em voz alta, cantava. E o Deus menino,
Com os olhos abertos, num espanto,
Recebia do mundo a clara imagem
E o seu nubloso e misterioso encanto…

Também o bom pastor, a quem Marânus
Havia prometido o Nascimento,
Sentia em seu espírito surgir,
Envolto num astral deslumbramento,
Estranho e novo ser, que dissipava
O seu velho crepúsculo interior,
Onde um fantasma, trágico e nocturno,
Aparição do medo e do terror,
Furibundo, reinava, desde os séculos!

O Menino crescia, como a aurora
Que, sendo esparso vulto de mulher,
Na linha do horizonte, que descora,
Lembra a auréola dum Deus anunciado…

Em volta dele, as coisas se animavam
Dum sentido mais belo e verdadeiro;
E a sua alma oculta desvendavam,
Como na luz primeira da Existência.

Mundo transfigurado! Ó terra santa!
Ó terra já divina e toda erguida
Àquela altura ideal da Eternidade,
Mais uma vez, a morte foi vencida!

Alguns dias passaram. E Marânus
Disse que ia partir à sua Esposa,
E que se entregava ao casto amor, tão puro,
Desta leal paisagem montanhosa.
E, chorando, abraçava-a, e repetia
Que tinha de partir; mas, dentro em pouco,
Por uma clara noite, voltaria.

E a trágica Saudade, sufocada:

«Eu bem conheço a voz que te chamou!
Voz que ilumina as árvores e as nuvens,
E que meu ser antigo transformou
Neste meu ser anímico e perfeito.»

E, mais serena e resignada: «Vai!
Cumpre a sua vontade. É teu destino…»

E beijando-o nos lábios, e tomando
Em seus braços de imagem o Menino,
Subiu a um alto píncaro escarpado,
De onde ela, por mais tempo, contemplasse
O esposo e companheiro bem amado.

E, sozinha, de pé, sobre um rochedo,
Disse-lhe um longo adeus.
E, já distante,
Marânus, ansioso, para trás
Volvia a face triste, a cada instante.
E parava, cismando…
Mas, ao longe,

O corpo da Saudade, vago e incerto,
Perdia-se, no ar que se turbava…

Anoitecia. A serra era um deserto.
E Marânus seguia o seu caminho.

Teixeira de Pascoaes

Friday, December 19, 2008

Porque ontem nos lembrámos e dissemos de cor...

NATAL E NÃO DEZEMBRO

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.


David Mourão-Ferreira

Sunday, December 14, 2008

NATAL

Faz amanhã anos o nosso neto Francisco.

O Francisco
O Quico
O nosso segundo neto
O segundo filho da Maria e do Paulo

Por causa da operação ao peito é o único a quem não fiz o casaquinho de nascer.
Comprei-lhe. E não ficou mal, que o rapaz era um lindo bebé.
Salvou-se a manta em malha grossa debruada a fita de xadrês. Ainda tenho ali um restinho dessa fita em seda de xadrez.

Com o Francisco aprendi o gosto pelas bruxas. Lembras-te, uma caixa com sseis bruxas que recebeste num Natal?
Os passeios exaustivos ao Chiado
os museus
o convento do Carmo
e...
e...
e...

Hei-de aprender muito mais com o Francisco.
Ele elogia as minhas malhas
e estou-lhe a dever uma manta para a cama (agora enorme, claro)

O Francisco é escuteiro

O Francisco é
e vai ser
muito mais


Faz treze anos.
Entra nos «teen»

Parabéns, rapaz.
Agarra a vida.
É amanhã o teu Natal.

E AINDA ASSIM, SERÁ NATAL

LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão-Ferreira

Thursday, December 11, 2008

NATAL

Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração...

Miguel Torga

Wednesday, December 10, 2008

ENTRE PARÊNTESIS NOS POEMAS DE NATAL(e tão importante...)

Às vezes, poucas vezes,
percorro os blogs dos que me visitam e que visito.
Entre a alegria e a vergonha, li o comentário de eMe e eMe.

E lembrei-me de TEACHER SIMPLE PAST.
Encontrei, mas não consigo comentar.

ONDE/COMO ESTÁ Înês?

P'ra já, um beijo
com saudades.

Quem diria.
Tanta ausência!
Tanto mar!

NATAL À BEIRA RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?

E o ponteiro pequeno a caminho da meta!

Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,

A trazer-me da água a infância ressurrecta.


Da casa onde nasci via-se perto o rio.

Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!

E o Menino nascia a bordo de um navio

Que ficava, no cais, à noite iluminado...


Ó noite de Natal, que travo a maresia!


Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.

E quanto mais na terra a terra me envolvia

E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.


Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me

À beira desse cais onde Jesus nascia...


Serei dos que afinal, errando em terra firme,

Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?



David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-1988

Tuesday, December 09, 2008

NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na minha pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.

de Vitorino Nemésio

Monday, December 08, 2008

A CADA DIA UM POEMA QUE TE DIGA

Hoje de Miguel Torga:

«Leio o teu nome na página da noite,
Menino Deus ...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.

Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?

Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos,
Humanas alvoradas ...
A divindade é o menos.»

PARA O ANDRÉ E PARA TODOS OS QUE SE ZANGAM COM O NATAL

De Jacques Prévert

«Noël des ramasseurs de neige»

«Nos cheminées sont vides
nos poches retournées
ohé ohé ohé
nos cheminées sont vides
nos souliers sont percés
ohé ohé ohé
et nos enfants livides
dansent devant nos buffets
ohé ohé ohé
Et pourtant c’est Noël
Noël qu’il faut fêter
Fêtons fêtons Noël
ça se fait chaque année
Ohé la vie est belle
Ohé joyeux Noël
Mais v’là la neige qui tombe
qui tombe de tout en haut
Elle va se faire mal
en tombant de si haut
ohé ohé ého
Pauvre neige nouvelle
courons courons vers elle
courons avec nos pelles
courons la ramasser
puisque c’est notre métier.
ohé ohé ohé
jolie neige nouvelle
toi qu’arrives du ciel
dis-nous dis-nous la belle
ohé ohé ohé
Quand est-ce qu’à Noël
tomberont de là-haut
des dindes de Noël
avec leurs dindonneaux?
ohé ohé ého !»

E se se lembram, este poemaestá musicado.
Cantávamos.
Cantamos.

E faz pensar.
Que é preciso que o Natal não «seja só isto»ou «não seja isto».

Transportamos a pergunta final do poema:
«Quand est-ce qu'à Noël
tomberont de là-haut
des dindes de Noël
avec leurs dindonneaux»

E é só nossa a resposta.

De cada um.

Beijo para todos.

E «um outro Natal»

DIA DA MÃE

Sei que gostava de escrever uma postagem mais longa.

Mas, ainda que já tão tarde,
deixo estas palavras, memória e também vida
do dia de hoje

que sempre foi e é
o dia da Mãe.

Em 8 de Dezembro

Thursday, December 04, 2008

DIZER A ESPERANÇA

Retirado do site da Pastoral da Cultura
com o aplauso de quem sabe que só a Esperança nos sustém.

Sabemo-lo todos, creio.

«A fé que mais amo, diz Deus, é a esperança
A pequena esperança avança no meio das duas irmãs mais velhas e nem sequer se repara nela.
No caminho da salvação, no caminho carnal, no caminho áspero da salvação, no percurso interminável, no percurso, entre as duas irmãs a pequena esperança
Avança.
No meio das irmãs mais velhas!
A que é casada.
E a que é mãe.
E só se dá atenção, o povo cristão só dá atenção às duas irmãs mais velhas.
A primeira e a última.
Que acodem ao urgente.
Ao tempo de agora.
Ao momentâneo instante que passa.
O povo cristão só vê as duas irmãs mais velhas, não tem olhos senão para as duas irmãs mais velhas.
A que está à direita e a que está à esquerda.
E a bem dizer não vê a que está no meio.
A pequena, a que ainda anda na escola.
E que caminha.
Perdida nas saias das irmãs.
E facilmente crê que são as duas grandes que levam a pequena pela mão.
No meio.
Entre elas duas.
Para a fazerem percorrer esse caminho áspero da salvação.
Cegos que pelo contrário não vêem
Que é ela que no meio arrasta as irmãs mais velhas!
E que sem ela elas nada seriam
Senão duas mulheres já idosas.
Duas mulheres de certa idade
Amachucadas pela vida.
É ela, essa miúda, que tudo arrasta.
Porque a Fé só vê o que é.
E ela, ela vê o que será.
A Caridade só ama o que é.
E ela, ela ama o que será.»

Charles Péguy (1873-1914)