Thursday, August 29, 2013

ANDRÉ

Esperámos-te na noite. Há quarenta e seis anos. Ansiosos. Felizes. O Pai e a Avó Alice ali comigo. Não foi um parto só da Mãe. Também no nascimento da tua irmã lá estavam os dois. Sem falar nos Avós. No Tio João. MEU AMOR. E inconscientes sonhávamos, supúnhamos que nascias para uma Vida sem dor. E que te havíamos de dar a eternidade. Demos-te a Vida. A tua Vida. A condição humana. E em tudo o que podemos, partilhada. Nesta noite teço os teus dias em contas de oração. E de louvor. E onde quer que o Pai esteja, ele está perto.

PUDÉSSEMOS NÓS INVERTER A CORRENTE

Ontem recebi um mail que dizia "O dia que Albert Einstein tanto temia chegou". A seguir seis imagens com situações várias em que cada pessoa tinha um telemóvel e, ainda que rodeada de outras pessoas ou de paisagens, só o telemóvel era o seu comunicador. Fala-se com o telemóvel, ainda que ao lado esteja o amigo, o namorado, quem quer que seja, ou se esteja à mesa, na praia, num museu! Sim, chegou o dia. O mail enviava também o texto de Eintein "Tenho medo do dia em que a tecnologia se vai sobrepor à interação humana. O mundo terá uma geração de idiotas." Sei o que é a dependência do telemóvel. Faço uma ligação, envio um SMS, trago-o na carteira. Se o esqueço em qualquer lado, fico inquieta. Realmente ...que cadeias prendem a vida! Estou em Tibaldinho, a aldeia da vida toda. Sempre escrevi postais. É um impulso quase obsessivo ou mesmo obsessivo. Dantes algumas senhoras de Campo de Ourique, quando eu voltava de férias, diziam-me "Sabe, tenho os seus postais numa gaveta com uma fitinha."Isto era muito bom. Agora ainda escrevo alguns. Poucos. Vou a Mangualde ou a Viseu, entro no Museu de Grão Vasco ou numa papelaria, pergunto por postais, é quase estranho. Espero. E lá aparecem alguns. Neste pequeno gesto, julgo que rumo contra a maré. Com palavras escritas p'lo meu punho, um postal procurado, um sêlo que é preciso comprar. Tempo. De ser pessoa. Para outra pessoa. E acho que vale.

Thursday, August 22, 2013

DE COMBÓIO

Volto a Tibaldinho. De combóio. Já não é "o pouca-terra, pouca-terra", nem tem fagulhas que nos sujem. Mas tem a mesma serenidade, suspeita dos pinhais, do verde que sempre procuramos. Que nos hão-de suportar em todos os ruídos. Em todos os gêlos. Suportar? Não, "que hão-de ser antes a essência dos dias." De todos os dias.

Monday, August 19, 2013

8 837, 09 euros de IRS

Acabei de pagar. Aí há duas horas. Alguém é capaz de fazer umas apostas sobre quanto é que eu recebo em cada mês, ainda que "para o mês que vem, nunca se saiba"? Sabia o que me esperava e fui juntando ao cêntimo. Lá paguei, ainda que tenha feito uma reclamação. Gosta de perceber o que é que realmente eu estou a pagar. E a quem?

Friday, August 16, 2013

"SABEMOS PARA ONDE QUEREMOS IR" Pedro Passos Coelho

Já ouvi "isto". Tenho idade. Tenho memória. Sei quando é que ouvi. A quem ouvi. Em que situação ouvi. E é uma muito má memória. Senhor primeiro ministro, tenha idade e vida para lhe pedir que tenha respeito pelos portugueses.

Thursday, August 15, 2013

UMA FOTOGRAFIA

A força das palavras do Manuel, lembradas e escritas tantas vezes pelo André julgo que como metáfora da sabedoria, têm sido, para mim, palavras presentes, palavras reflectidas, palavras fortes pela vida dentro. «Ver a imagem para lá da imagem». Mas foi no dia 8 (73 anos, graças a Deus), que sabendo que por cá havia de aparecer alguma família, alguns amigos, desdobrei-me em mesas e loiças, e de repente, à procura de uma fotografia dos meus sobrinhos e dos meus filhos para mostrar «como cresceram», encontrei uma lindíssima em que o André está no quintal de Tibaldinho, coberto de mal-me-queres rasteirinhos, pela Páscoa, 7, 8 anos, um sorriso enorme, feliz, agarrado a um cão de sonho, talvez um serra da estrela. Mostrei-a. Feliz também. E o André «Mãe, esse foi um dia muito triste para mim.Chorei tanto, mãe» E eu sem perceber nada. Explicou «Vocês proibiram-me de andar com aquele cão». Como é que palavras tantas vezes impensadas podem matar a felicidade? Raramente temos consciência «do que está nas nossas mãos» quando somos pais, professores, amigos ....É importante deixarmo-nos surpreender mesmo que seja aos setenta e três anos (confesso que me tenho surpreendido muito mais nestes últimos anos). «Ver para lá da imagem» não é sempre possível. Bem que o Manuel o dizia com dor quando falava da sua arte de realizador a que se referia como sendo «aprendiz de feiticeiro». Bom que eu tenha encontrado a fotografia. Bom que tenha percebido ou tenha começado a perceber (aprendizagem longa) que tantas vezes uma fotografia não diz a vida. A dor não costuma ser fotografada quando se trata de um album de família.

FILME DE TERROR - REALIDADE DE TERROR

Chego a casa. Ligo a televisão. Notícia - UM ÚNICO SERVIÇO DE URGÊNCIA EM LISBOA. E não é um filme. É no meu país. Na minha cidade. E no meu país, na minha cidade, há homens e mulheres?

ESPLANADAS SEM ABRIGO

Vou muitas vezes a uma esplanada. Obrigo-me com gosto a estar numa esplanada. É-me mais fácil ler, escrever. Vivo também e respiro de ler e de escrever. Numa esplanada só sou interrompida se quiser ou se deixar. Posso "fazer o meu horário" (sempre a Escola ... ). Às vezes, muitas vezes, interrompo tudo para trocar palavras. E oiço vidas. Narro a vida. Trocamos um sorriso. Um endereço de mail. E cada vez mais amiúde decido p'lo silêncio. É então que procuro esse jeito difícil de ver para lá de todas as imagens, de ouvir para lá de todas as palavras, de todos os gritos. De todos os silêncios. E vai-me parecendo que tantos de nós, homens e mulheres ali na esplanada, me parecem homens e mulheres sem-abrigo. Ou não será que não somos todos sem-abrigo? Sim, sem-abrigo. A condição humana. Assim