Saturday, December 27, 2014

 NATAL

Um Natal mesmo Natal,
pequenino e humilde
como tudo o que foi acabado de nascer
primicias de seara
passo primeiro
olhar de espanto
Natal

Thursday, November 20, 2014

URGENTE OS SORRISOS

Morreu no meu bairro aquele senhor, que percorria as ruas de bicicleta com um radio que tocava música.
Faz-nos muita falta.
Era o seu jeito de dizer que existia.
E que o olhássemos.
Era o seu jeito.
Faz-nos falta.


Há uns anos já escrevi sobre ele. Assim:


URGENTES OS SORRISOS
«São urgentes os sorrisos.
Corroem-nos dores, dúvidas e tantas incertezas.
São urgentes, Senhor, sorrisos ou palavras, que digam Alegria.
Por tudo isto quero nesta manhã louvar aquele senhor que numa bicicleta velha com um rádio ligado no volume mais alto, percorre firme e convicto as ruas do meu bairro e as vai enchendo de canções.
Oiço pequenos grupos às esquinas. Quem é este homem? Deve ter um problema qualquer. É LOUCO.
Bendigo, Senhor, esta loucura.
Tantas vezes os profetas foram chamados loucos.
Os poetas também.
E são deles os gestos essenciais.
Os nossos dias, agora tão cheios de sol, estão prisioneiros de medos e mais parecem noites de pesadelo.
Este senhor insiste e como por milagre enche as ruas de música e alegria. Finalmente sorrimos.
Louvados sejam, Senhor, todos quantos Te anunciam assim e
dizem a Alegria contra todas as correntes.»

Saturday, November 08, 2014

PORQUE QUERO TANTO SER ARRASTADA PELA ESPERANÇA


Encontrei hoje estas palavras de Péguy sobre a Esperança:
«A pequena esperança avança no meio das duas irmãs mais velhas e nem sequer reparamos nela.
Só damos atenção às duas irmãs mais velhas
Que acodem ao momentâneo instante que passa.
Só temos olhos para as duas irmãs mais velhas.
E não vemos a que está no meio,
a  pequena que caminha.perdida nas saias das irmãs.
Facilmente acreditamos que são as mais velhas que levam a pequena pela mão.
Cegos não vemos que é ela que arrasta as irmãs mais velhas
E que sem ela, elas nada seriam
senão duas mulheres idosas,
amachucadas pela vida.

É ela, essa miúda, que tudo arrasta.

Porque a Fé só vê o que é.
E ela vê o que será.
A Caridade só ama o que é.
E a Esperança ama o que será.»

Nesta noite, Senhor, tanto Te imploro o dom da Esperança.

Da humilde Esperança.

Friday, October 31, 2014

Monday, October 27, 2014

A HORA QUE MUDOU, UM QUARTO DE HORA A MAIS

Sempre que a hora muda, lembro as palavras de Sebastião da Gama que me deu a conhecer a sempre minha professora Manuela Granés.

Assim:

«Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça,
Amigos,
quando vejo o relógio
com três quartos de hora a mais!
Tic-tac, Tic-tac
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)
Tic-Tac, ...
(Como eu rio, cá p´ra dentro,
desta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de vida.)

Saturday, October 11, 2014


FIO QUE DESLIZA

Não consegui encontrar imagens das quintas que o meu avô cultivava no Campo Grande.
Também nelas vivi, criança e menina.
Feliz e livre.
Uns quatro anos mais tarde já não havia quintas,
Não mais esses lugares onde crescera entre papoilas, vacas, hortaliças.
E aí voltei entusiasmada e estranha, quando entrei na faculdade, o primeiro ano de Letras, de Direito, de Medicina, no Santa Maria.
Para vir para Campo de Ourique tomávamos um autocarro (verde) numa paragem na grande rua.
Entrei num mundo outro, que estranhei e amei.
Num caderninho de poemas de 58 leio esta estranheza em metáfora de autocarro.
 Assim :
" Que estranho é estar impaciente
à espera que passe um autocarro verde.
Como se ele não tivesse que vir
e não fossemos levados como os outros
e sentados depois num banco sempre igual p´ra cada um,
um banco que não é azul,
mas verde
como a realidade verde
dum autocarro-vida que desliza.»

Bom seria voltar a esta unidade.
A infância, uma quinta.
A juventude, a novidade de uma paragem de autocarro-vida que desliza.
Que sempre desliza.

 E agora volto a esta malha, prece de afecto e de ternura. E julgo que desvendo o mistério.
 Fio / Vida que desliza e se firma.
 Sempre em pontos de afecto.
 Lançado na infância
Parte inferior do formulário



Sunday, July 06, 2014

O TELEFONE

Só assim nestas coisas, e na bengala que tem que ser, nos pesos que não consigo carregar, em tantas outras debilidades a que procuro não vergar, é que me dou conta que tenho já muita história, isto é, muita idade. Este blog tem estado abandonado. Hoje, resolvi dar-lhe um soprozinho. Por causa de um telefonema que animou a manhã «não quer sair?», é que eu quis escrever sobre o telefone. E deixo de lado o telemóvel. Vivi uns treze anos sem telefone em casa. Só o da Leitaria, onde mais ou menos toda a gente de Campo de Ourique ia telefonar. Um dia, veio p´ra nossa casa um telefone. Preto, com os números nuns buracos que tínhamos que discar. Uma festa! Foi assim que conheci a minha grande amiga Carlota. Sozinha em casa, eu ia telefonando. Tinha até descoberto como se abria a caixa onde caíam os cinquenta centavos! Portanto eu telefonava sem gastar. Muito o Manuel e eu namorámos ao telefone. Poemas de cá para lá. Vida de lá para cá. Ideais de cá para lá. Projetos, tantos … Quando casámos na nossa casa houve sempre telefone. Chegou rapidinho, talvez à conta dum jeitinho do António. Hoje, é um objeto, não, não é um objeto, é um ser íntimo que aqui habita e me habita. Tão longe da forma original! Tão longe do uso original! É um grande companheiro o telefone. Um companheiro que manejo como quero. Atendo ou não atendo. Dou mais ou menos tempo à voz do outro lado. Exercito o silêncio. Ou digo uma palavra. Ou digo muitas palavras. Oiço e às vezes não oiço. Por aí… Todas as circunstâncias da vida num telefone. E toda a vida num telefone. É mesmo muito bom ter um telefone.

Thursday, January 23, 2014

À NOITE

Só agora consigo sentar-me assim na sala. Enfim tranquila. Olho a televisão enorme. A parede ao fundo. Uma planta verde que cresce sei lá como. E gosto. Não tocam os telefones. Gosto deste silêncio. Gosto da planta verde. Gosto enfim de estar assim na sala. E gosto enfim de estar assim sozinha.