Thursday, December 29, 2005

QUARENTA E TRÊS ANOS DE ESTARMOS JUNTOS

Guarda palavras como «sempre»
E o sorriso.
Guarda
«À espera de Godot»
E o bebedouro no Príncipe Real.
Guarda
A vida
Sempre de mãos dadas
Chiado abaixo e depois Chiado acima.
Guarda este feitio teimoso que parece ousadia.
Guarda
O meu corpo companheiro
Guarda-me inteira
E sempre adolescente.

E perdoa o mau génio.
A impaciência
E a mania «de que sou tão perfeita»
Ou de que só «eu sei fazer contas»
Perdoa esta memória tantas vezes cruel de que até me orgulho.

Guarda o eléctrico 28
E o Jardim da Estrela
E o 2º andar do autocarro 9
Viagem sempre até ao fim da linha

Olha, guarda só o sorriso
E a minha mão na tua
Guarda esse jeito eterno do teu corpo no meu.
Sempre
Sempre.

Wednesday, December 28, 2005

«COISA PROIBIDA E ESCURA A PRIMAVERA

Ontem tivemos uma alegria enorme - os oitenta anos da Maria Irene, em festa de afectos e ternura.
Hoje, outra alegria grande - o presente do Nuno para o tio Manel - uma fotografia do casamento dos avós, trabalhada por ele no computador e emoldurada de memórias.
Agora, já bem noite, falei-te ao telefone «Chorei tanto, Teresinha.» E a mim a doer-me esta incapacidade de não poder senão ouvir-te.
E a vida a tecer-se assim.
A Primavera como «coisa pribida e escura».

Tuesday, December 27, 2005

A VER SE ESTAS CARAS MUDAM

Afinal, gostei muito do Natal.
Uma canseira, é certo. O possível/impossível orçamento ultrapassado.
E uma vontade enorme de dizer, como uma vizinha que encontrei na Aloma a comprar aqueles doces inconfundíveis «É tudo para ver se estas caras mudam. É que anda tudo tão murcho.»
Os gestos, as mensagens, os telefonemas, o cuidado multiplicam-se. E ultrapassa-nos.
A ver se estas caras mudam mesmo.
Para quem ler este blog, uma forcinha muito grande aqui da minha janela «a ver se estas caras mudam».

Monday, December 12, 2005

CASAL VENTOSO

Voltei ontem ao Casal Ventoso.
Cinquenta anos depois desse tempo em que acreditava que podíamos mesmo mudar o mundo.
Quando o ano 2000 era tão longe.
Ontem fui mesmo lá. e no jeito de que gosto, fiquei só a ouvir uma irmã que tem a minha idade.
Mora ali. Disse-me que não há-de conseguir mudar nada.
A droga continua.
As raparigas, crianças quase, subsistem da prostituição. Partem manhã cedo para o Intendente. Algumas tem filhos bebés.e os pais na cadeia. Vivem às vezes com as avós.
Fiquei de ir. Depois do Natal.
Para ensinar a escrever o nome.
Para ajudar a fazer uma renda ou assim.
Quero morrer a acreditar que pelas minhas mãos, também alguma coisa há-de poder mudar.
Não é o Natal um menino que nos é dado?
E muda tudo.

Friday, December 09, 2005

UM SORRISO COMPANHEIRO

Não parece fácil dizer o Natal num país em depressão.
Como acendemos luzes?
Ontem sentei-me no café, um destes tantos de Campo de Ourique.
Geralmente falo demais.
Mas foi o meu silêncio que disse Natal. Porque ouvi.
Ouvi por ali a vida.
A dor. A ausência. E alegrias, poucas.
E esbocei um sorriso, que quero companheiro.

Thursday, December 08, 2005

VIDA FEITA DE NADAS

A vida vai-se fazendo de nadas.
E de tudo.
Paragens iinesperadas.
Encontros.
Desencontros.
Difícil dizer assim Natal.
Quero o sabor fresco das palavras frágeis. Como «menino» ou «uma luz qualquer. pequenina talvez».
Não quero a «maior árvore de Natal».
Dizer «esperança» até ao fim.
Tenho e procuro razões para isso.
E parece tão difícil. Sem porquê.