Monday, February 18, 2008

PALAVRAS

Elas dizem a vida
São sagradas
E no entanto vão mudando de sentido.

Hoje, ao chegar a casa o Manel informou-me que a Maria telefonou e disse...
Eu, com este vellho e tolo hábito de atrapalhar quem fala O menino ... referindo-me a um dos meus netos.
Não, insistia o Manel, tentando dizer-me o que queria, a Maria foi ao oftalmologista ...
Este atropelo lembrou-me outras conversas, tão espaçadas no tempo... Conversas que em si narram uma história.
Antes de nascer a nossa primeira filha, a menina era eu.
Quando ela nasceu, surpresa, o meu pai tocou bem cedo à campainha e perguntou à empregada se a menina estava bem e se a senhora estava em casa.
Menina, a nossa Maria! E eu, senhora.
Hoje, meninos, meninos são os meus netos, mesmo que na bendita escada que vai dos três anos aos dezassete, eu me refira ao Bernardo, o mais velho.
Meninos...
Em Tibaldinho, continuo a ser a menina, o que dá para entender que Tibaldinho é um berço.

As palavras são mesmo sagradas e dão tanto, mas tanto que pensar.
E que sentir.

Monday, February 11, 2008

INESPERADAMENTE

Levanto-me e inesperadamente a janela das traseiras escancara-se para o sol.
Está a mais o robe quente.
Inesperadamenete e, mesmo com a tíbia partida e muitas outras limitações do corpo e da alma, limitações de mim,
inesperadamente o sol, concede-me o dom da liberdade.

Wednesday, February 06, 2008

«ESQUECE A QUARTA-FEIRA...»

Cantámos,
trauteámos,
ouvimos no velho gira discos que veio de casa dos meus pais,
voltámos a ouvir.
E entranharam-se em nós o som e as palavras

«...esquece a quarta-feira e continua.»

E interpelam-me, desafiam-me, apetecem-me.
De novo, em cada ano.

Não esqueço a quarta-feira.
Mas continuo.

Sunday, February 03, 2008

SOFÁ DA SALA, MEMÓRIA E OS DIAS QUE HÃO-DE VIR

Quero ver a Câmara Clara.
Quero começar a ler um livro que o Manuel comprou e me apetece «Tudo o que sobe deve convergir».
Quero fazer as pegas pedidas pela Ana para a Sofia.
Quero ficar calada.
Quero saborear o fim do dia devagar.
Quero saborear todos os fins como começos.
Quero tantas coisas...
Quero fazer de conta que vou falar do sofá da sala e o que quero mesmo é dizer a dor pela morte da Pamela, sabendo que a sua vida marcará a minha vida, a nossa vida. Até ao fim.
Vamos então fingir que é do sofá da sala que falamos.
Temos dois. Mas usamos muito aquele, em frente da televisão, com um banquinho de pele para os pés. Está sempre muito gasto. Era ali que a Pamela se sentava. Há um ano, mandámo-lo arranjar. Pensámos que ia ser também para ela muito mais confortável.
Foi quando a Pamela adoeceu daquela forma brutal.
Nunca mais veio.
É verdade que o Manel se senta lá muitas vezes.
Ele continua a ter as molas boas. Está convidativo. Sólido.
Olho para o sofá.
De certo modo, quando vazio, o sofá é o lugar da Pamela.
E sei-lhe as palavras certas. Bondosas e divertidas. O juizo justo. O conselho tanta vez em forma de pergunta «A Teresa não acha...?»
Sei-lhe o sorriso.
E aquele último sorriso que lhe vi.