Sunday, February 03, 2008

SOFÁ DA SALA, MEMÓRIA E OS DIAS QUE HÃO-DE VIR

Quero ver a Câmara Clara.
Quero começar a ler um livro que o Manuel comprou e me apetece «Tudo o que sobe deve convergir».
Quero fazer as pegas pedidas pela Ana para a Sofia.
Quero ficar calada.
Quero saborear o fim do dia devagar.
Quero saborear todos os fins como começos.
Quero tantas coisas...
Quero fazer de conta que vou falar do sofá da sala e o que quero mesmo é dizer a dor pela morte da Pamela, sabendo que a sua vida marcará a minha vida, a nossa vida. Até ao fim.
Vamos então fingir que é do sofá da sala que falamos.
Temos dois. Mas usamos muito aquele, em frente da televisão, com um banquinho de pele para os pés. Está sempre muito gasto. Era ali que a Pamela se sentava. Há um ano, mandámo-lo arranjar. Pensámos que ia ser também para ela muito mais confortável.
Foi quando a Pamela adoeceu daquela forma brutal.
Nunca mais veio.
É verdade que o Manel se senta lá muitas vezes.
Ele continua a ter as molas boas. Está convidativo. Sólido.
Olho para o sofá.
De certo modo, quando vazio, o sofá é o lugar da Pamela.
E sei-lhe as palavras certas. Bondosas e divertidas. O juizo justo. O conselho tanta vez em forma de pergunta «A Teresa não acha...?»
Sei-lhe o sorriso.
E aquele último sorriso que lhe vi.

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