Thursday, February 18, 2010

BÉ FRAZÃO

Hoje faz anos a Bé Frazão,
a mais velha desta família, os «Amaral Frazão»,
a família do Manuel que por muitas razões, muitos afectos, se tornou também minha.
A Bé é a sua coluna maior.

Procurei palavras que dela fossem dignas.
Aí vão, de Álvaro de Campos

«No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...»

Parabéns, Bé Frazão

Thursday, February 11, 2010

O SOL AJUDA


É que está sol e isso é bom.

Antes de começar a escrever,
ou a fazer o almoço (as horas avançam, logo se vê)
enquanto espero que o Manel chegue de mais uma consulta
folheio o que me vem à mão Sophia, Brel,….

E transcrevo de Sophia palavras ditas na Sociedade Portuguesa de Autores em 64

«Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo.
(…)
E é por isso que a poesia é uma moral.
(…)
A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido.»

Sublinho
«a poesia é uma realidade vivida».

E assim lá vou eu para o poema do dia a dia.
Tão banal.
E tão real

Sunday, February 07, 2010

POSTAIS ILUSTRADOS


Toda a gente sabe que gosto de os escrever.
Às vezes em Tibaldinho escrevo sessenta e tal,verdade, sem exagêro.
A N também sabe.
Às vezes também ela me escreve um, «Para a amiga que ainda os escreve.»

Hoje telefonou-me. Por causa da saúde do Manel.

Em desabafo, quase em desespêro, contou-me que no verão tinha ido a França e procurou um para me escrever.

Disse-me «Sabes que não havia.»

Se eu sei N.
Em Tibaldinho, vou
e torno a ir
ao Museu de Grão Vasco para comprar os tais postais, os únicos razoáveis.

Tenho sessenta e nove anos, quase setenta.

Os postais que ainda encontro são os mesmos desde a infância.
Os mesmos.
E cada vez menos variados.
Compro imensos iguais, os que há.

E desespero.

Não é mesmo lindo este, a praça de D. Duarte junto à Sé?

FIM DE SEMANA, POIS CLARO


Fartos de estar em casa,
o Manel, as dores, mais fortes, menos fortes,

vagamente e sem muita atenção um livro (finalmente a «Vida de Teresa de Jesus», esta que já me convence da santidade e não a que me «venderam» em criança,
obediente sempre,
caladinha,
«Vês Teresinha, é assim que deves ser»),

a televisão a ocupar IMENSO espaço.

Em todos os canais só futebol.

Política
em stand by.

Fim de semana
tão ao gosto português.

TENHO MUITA PENA.
MUITA.

Friday, February 05, 2010

SMS


Ontem escrevi à Z para justificar a minha ausência e lá disse que o Manel tinha que fazer exames para se encontrar a causa do tal líquido na pleura.
Recebi de volta estas palavras
amigas
sábias.

«As notícias não são boas, mas abrem caminho. Que fique bem e depressa.»

Respondi:
«Caminho é sempre bom. Só que estamoss a vida toda a aprender a caminhar.»

Tal qual.
Aprender o passo certo em cada dia.
O passo certo em cada situação
em cada melodia.

Wednesday, February 03, 2010

PARABÉNS MEU AMOR

É que eu não tinha qualquer intenção de abandonar este espaço,
agarro-me a todos os espaços de comunicação e de partilha.
Respiro assim. Comunicando.
O que me deu foi sofrer situação difícil de enfrentar. Ver o Manel cheio de dores, frequentes e fortes e eu aqui a procurar fazer-lhe tudo.
E impotente.

Custou-me muito. Era mais por aí o «abandono». Durante semanas e semanas, o homem a fazer todos os exames possíveis. E causa não detectada.

Por fim, parece que estamos lá quase, esperamos bem. Líquido na pleura. Com a medicação alterada e uma ida ao barbeiro, cabelinho cortado, está com menos dores e até muito giro. O cabelo branco fica-lhe muito bem, verdade
Agora é preciso fazer exames, saber a causa. Ja é caminho.

Parece estranho escrever tudo isto no dia abençoado em que o Bernardo faz dezanove anos.
Nosso neto primeiro.

Vou plagear o André que escreve aos Marias PARABÉNS, MEU AMOR.
Com a vida dos meus filhos
e com a vida dos meus netos,
sei que toco a eternidade.

A continuar...