Sunday, July 06, 2014

O TELEFONE

Só assim nestas coisas, e na bengala que tem que ser, nos pesos que não consigo carregar, em tantas outras debilidades a que procuro não vergar, é que me dou conta que tenho já muita história, isto é, muita idade. Este blog tem estado abandonado. Hoje, resolvi dar-lhe um soprozinho. Por causa de um telefonema que animou a manhã «não quer sair?», é que eu quis escrever sobre o telefone. E deixo de lado o telemóvel. Vivi uns treze anos sem telefone em casa. Só o da Leitaria, onde mais ou menos toda a gente de Campo de Ourique ia telefonar. Um dia, veio p´ra nossa casa um telefone. Preto, com os números nuns buracos que tínhamos que discar. Uma festa! Foi assim que conheci a minha grande amiga Carlota. Sozinha em casa, eu ia telefonando. Tinha até descoberto como se abria a caixa onde caíam os cinquenta centavos! Portanto eu telefonava sem gastar. Muito o Manuel e eu namorámos ao telefone. Poemas de cá para lá. Vida de lá para cá. Ideais de cá para lá. Projetos, tantos … Quando casámos na nossa casa houve sempre telefone. Chegou rapidinho, talvez à conta dum jeitinho do António. Hoje, é um objeto, não, não é um objeto, é um ser íntimo que aqui habita e me habita. Tão longe da forma original! Tão longe do uso original! É um grande companheiro o telefone. Um companheiro que manejo como quero. Atendo ou não atendo. Dou mais ou menos tempo à voz do outro lado. Exercito o silêncio. Ou digo uma palavra. Ou digo muitas palavras. Oiço e às vezes não oiço. Por aí… Todas as circunstâncias da vida num telefone. E toda a vida num telefone. É mesmo muito bom ter um telefone.