Saturday, May 05, 2012

À ESPERA, O DOCE DE MORANGO

Antes de pôr ao lume o doce de morango para ver o sorriso e o espanto do meu neto Manuel
(foi mesmo a avó que fez?),
deixo aqui o que há pouco escrevi a um amigo
 - Estou mesmo quase a comprar um  iPad. O André recomendou-me A mãe experimente primeiro.

Ouvi esta frase desde a infância que é preciso aprender, é preciso experimentar.

E foi assim que sozinha, muito criança, prendi a coser à máquina

e aprendi a patinar nas botas de hóquei do vizinho.

Teimosa? Sim.
Determinada? Também.

Já não tenho as botas de patins...
e coser à máquina não é nada de especial

Ainda assim, gosto do que eu gosto.
Determinada.

Sem modas
Sem «agora é assim»

Antes
«Aqui ao leme sou mais do que eu.»

Wednesday, May 02, 2012

Fernando Lopes

Morreu hoje

Companheiro do Manel, este senhor, estava por cá a toda a hora.
Melhor,
dele se falava,
com as suas imagens se sonhava,
os filmes vistos,
comentados,
conversados.

Custa-me o que perdemos, quem perdemos.
Como é que esta casa não tem mais o debate, a crítica, as bocas fantásticas, os serões animados
de quem está vivo?

Falta-nos o Manel. De que modo nos falta o Manel!

Mas sinceramente é terrível, dói mesmo, que falte, melhor que tenha desaparecido o gosto pela conversa sã e discutida.
O gosto dizer «assim» e o outro «assado».
Agora deparo-me com uma só ideia, uma só pessoa, uma só ....

Há muito tempo que ouvi isto.

Passado.
Indesejado.

Tuesday, May 01, 2012

GRITADAS AS PALAVRAS



Aquelas palavras gritadas para todos, e que a tornavam o centro, o círculo (de repente Maria do Céu Guerra, o círculo de giz caucasiano...)

Aquelas palavras sobre a última notícia, a única notícia, a notícia que todos tinham que ouvir e ficar a saber

o melhor pastel de nata de Lisboa

a Aloma

aquelas palavras sem afecto sobre a Aloma,

as que tinham aparecido na televisão (a televisão no seu pior)

aquelas palavras que não diziam sobre a Aloma senão o que tinha sido dito nas televisões


a certa altura que a Aloma tinha já sessenta anos

e eu, que conhecia e me enternecia pelo sr Barreto e pelo sr Rodrigues

eu, ainda que procurasse que me ouvissem, não conseguia

eu só queria dizer a Aloma tem menos quatro anos do que eu, sessenta e sete

só para dizer a outra Aloma, a Aloma de sempre,

mas não conseguia gritar

É que não fico nada bem em notícia de abertura, em gritaria de abertura,

soui uma contadora de histórias, mesmo de histórias,

histórias entrelaçadas com afectos, com saudades, nos meus dias

histórias com coisas pequeninas,

coisas,

gestos,

palavras ou silêncios,

histórias que não dão para me fazer ouvir

não dão nem para começar

que a Aloma tenha sessenta e sete anos,

não dá.

Calei-me e em pano de fundo lembrei-me de quase tudo sobre a Aloma.


Caladinha.

lembrei-me da Aloma como também da casa de Tibaldinho

e de que afinal D. Afonso Henriques tinha nascido em Viseu e não em Guimarães,

quiça tão perto da nossa casa,

sabe-se lá, na nossa casa


Parece também que cada um só ouve o que quer ouvir

só vê o que quer ver


naquela noite eu queria mesmo ver

o meu pai apontava-me a Ursa Maior

Ali, Teresinha, ali

eu tentava e não via

até que vi


como a Maria e o André haviam de ver a mesma constelação apontada pelos dedos do Manel (tão belos os dedos do Manel)

eu a dizer noite dentro à minha mãe que tinha pesadelos

os novelos de trapo para as mantas, os novelos que pareciam sufocar-me

Hoje teço muitos novelos

fios cheio de ternura

todos os novelos

a vida cheia de novelos à espera de um sonho

de um sorriso

da laçada de ternura


a vida sempre á espera