Thursday, January 12, 2017

A COLCHA


Azul e cor-de-rosa.
Quadrados azuis e cor-de-rosa.
Quadrado sim, quadrado não, um boneco, melhor, um bicho bordado. Sei o ponto. Sou capaz de o bordar. Mas não lhe sei o nome.
A colcha para cama de criança está em Tibaldinho. Numa gaveta de uma das cómodas no meu quarto.
Os quadrados estão ligados por uma rendinha fina, daquelas de linha número 20 ou mais fina ainda, novelos que só vi em caixas de amostras que vieram de casa da minha Mãe.
À primeira, aquilo é piroso, quiche.
Isso é «à vista». E a vista não é nada. «Ver para lá da imagem»
A minha Mãe cortou os quadrados.
Desenhou-lhe os bonecos.
Bordou-lhes os bonecos e uniu-os todos com os pontos da rendinha.
Horas. Muitas.
Serões de palavras ou silêncios.
Uma criança ia nascer. Rapaz? Rapariga?
Não se sabia.
E depois a ternura que não cabe na gaveta.
O sonho que não cabe na gaveta.
A alegria
A vida do tamanho do mundo.
A colcha tem uma mancha enorme de argirol. Gotas para os olhos.
Hoje talvez ninguém saiba o que isto é. Argirol. Por isso é mesmo melhor deixar assim escrito.
A colcha. Para uma cama de criança. A colcha enorme. Como o amor da minha Mãe.

Como o Amor.

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