Saturday, September 06, 2008

MÃE, EU NÃO SEI NADA....


A G mandou-me uma daquelas mensagens com anexos, que não costumo abrir.
Chama-se «A cadeira».
Esta é uma palavra que sempre foi para mim muito especial (tão longe e tão belas «As cadeiras» de Ionesco!).
Curiosa abri o tal anexo que falava de uma cadeira vazia, ao lado da qual é preciso que nos sentemos para falar com Deus.
E como precisamos da cadeira vazia para falar com Deus
para falar connosco
para esperar alguém.
A cadeira.

Logo a seguir (sabe-se lá porquê) lembrei-me, isto é, não me lembrei de um poema que recitávamos nos pequenos/grandes teatros da escola. Só sei do que se tratava. Uma rapariguinha, que chegava junto da mãe, ao fim de um dia de aulas e dizia, feliz «Oh mãe, eu já sei tudo!»
Olhou então os olhos tranquilos e calados da mãe e, entendeu.
O poema terminava com ela a dizer
«Oh mãe, eu não sei nada!»

Gostava de ter dito isto à minha mãe.
Mas estou a tempo de o dizer hoje a todos.
Aos meus amigos
Aos meus filhos
Aos meus sobrinhos
Ao Manel
Aos meus alunos
A cada um dos que cruzam os meus dias

E depois, ter essa cadeira vazia. E só dizer o silêncio.

Obrigada, G, pela «cadeira».

1 comment:

Unknown said...

O poema de que falas chama-se: reminiscência e foi escrito por Fernanda de Castro nos anos 40...
"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a corografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..." -

"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa..."
(Já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a Professora sorria
enquanto eu papagueava a Geometria)

- "...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1380
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, a pequena é simpática).

- "Vamos lá à gramática." -
"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava, em surdina,
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)

- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.

Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou.
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais,
e a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)

Pouco depois, em casa,
a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à Terra, ao Céu, ao Mar, ao Rio:
- "O mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo, de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro, cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!"