Tuesday, May 01, 2012
GRITADAS AS PALAVRAS
Aquelas palavras gritadas para todos, e que a tornavam o centro, o círculo (de repente Maria do Céu Guerra, o círculo de giz caucasiano...)
Aquelas palavras sobre a última notícia, a única notícia, a notícia que todos tinham que ouvir e ficar a saber
o melhor pastel de nata de Lisboa
a Aloma
aquelas palavras sem afecto sobre a Aloma,
as que tinham aparecido na televisão (a televisão no seu pior)
aquelas palavras que não diziam sobre a Aloma senão o que tinha sido dito nas televisões
a certa altura que a Aloma tinha já sessenta anos
e eu, que conhecia e me enternecia pelo sr Barreto e pelo sr Rodrigues
eu, ainda que procurasse que me ouvissem, não conseguia
eu só queria dizer a Aloma tem menos quatro anos do que eu, sessenta e sete
só para dizer a outra Aloma, a Aloma de sempre,
mas não conseguia gritar
É que não fico nada bem em notícia de abertura, em gritaria de abertura,
soui uma contadora de histórias, mesmo de histórias,
histórias entrelaçadas com afectos, com saudades, nos meus dias
histórias com coisas pequeninas,
coisas,
gestos,
palavras ou silêncios,
histórias que não dão para me fazer ouvir
não dão nem para começar
que a Aloma tenha sessenta e sete anos,
não dá.
Calei-me e em pano de fundo lembrei-me de quase tudo sobre a Aloma.
Caladinha.
lembrei-me da Aloma como também da casa de Tibaldinho
e de que afinal D. Afonso Henriques tinha nascido em Viseu e não em Guimarães,
quiça tão perto da nossa casa,
sabe-se lá, na nossa casa
Parece também que cada um só ouve o que quer ouvir
só vê o que quer ver
naquela noite eu queria mesmo ver
o meu pai apontava-me a Ursa Maior
Ali, Teresinha, ali
eu tentava e não via
até que vi
como a Maria e o André haviam de ver a mesma constelação apontada pelos dedos do Manel (tão belos os dedos do Manel)
eu a dizer noite dentro à minha mãe que tinha pesadelos
os novelos de trapo para as mantas, os novelos que pareciam sufocar-me
Hoje teço muitos novelos
fios cheio de ternura
todos os novelos
a vida cheia de novelos à espera de um sonho
de um sorriso
da laçada de ternura
a vida sempre á espera
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